Na sala abafada, entre cadernos e lousa,
um grito rasgou o ar como lâmina exposta:
"Eu odeio ser pobre!"; disse o menino negro,
com a alma em chamas e os olhos em protesto.
A professora, mulher de saber e ferida,
viu ali mais que um surto ou "má atitude".
Viu o mundo estampado na voz da criança:
descaso, abandono, fome, e a ausência do afeto.
Não era só raiva. Era um pedido de socorro.
Era um choro sem colo, uma história sem porto.
Era um corpo cansado de fingir normalidade
onde tudo ao redor conspira à desigualdade.
Em casa, o vazio fazia eco nos cantos.
Pais ausentes, mais feridos que ele.
Não por escolha, mas por falta de chance.
E a escola, espelho partido do mundo,
mal consegue conter tanto pranto oculto.
A professora, com os olhos marejados,
pensa nos tantos que ali já viu e ouviu os calados,
que desligam sua humanidade como se fosse peso,
num ato de defesa, um corte no peito.
Freud talvez explicasse e de fato explicava:
sem o pai simbólico, o limite não se instala.
O Édipo não se forma; a lei se desfaz,
e o desejo vaga solto, sem borda, sem paz.
E ali, em sala, os mestres observam:
alunos sem espelho, sem nome, sem terra e sem pão.
Olhos que não choram, pois já não se importam,
corações que batem no modo automático.
A empatia, outrora base da vida,
torna-se ruína em cidades partidas.
Numa sociedade de amores abortados,
o futuro se escreve com afetos negados.
E os professores, aflitos, tentam costurar
com palavras, com presença, com escuta e olhar,
as frestas do mundo que ruiu por descuido,
tentando ensinar que sentir ainda é possível.
Mas chora em silêncio pois sabe que é pouco.
É um só contra muitos, num sistema oco.
E reza, em seu íntimo, por um dia claro,
em que o grito do menino seja ouvido, não calado.