sábado, 4 de janeiro de 2025

Carta de Despedida




Querido amor meu,

Escrevo-te com a alma rasgada, como quem ainda tenta entender o que não se entende, a dor que não se explica. É como se o meu coração, insistente e fiel, estivesse se despedaçando em cada palavra que te dedico nessa carta agora. São tantas as perguntas, as lembranças, os momentos que se entrelaçam em minha mente e se tornam um labirinto sem saída, becos escuros e frios que me aprisionam nas memoria de ti. Mas, talvez, a única resposta que resta seja esta: o que fomos um para o outro, por mais belo ou grotesco que seja o amor, só posso dizer que vivi intensamente cada pedacinho morbido da paixão que me dedicaste, embora eu tenha plena consciencia de que vivi em um curto perido de tempo as migalhas do seu amor, aqui dentro de mim queima forte as chamas dessa paixão. 

Dói a ausência do que nunca se completou, e é essa dor que me empurra para longe de ti. Eu te amei com uma intensidade que não se mede, que se exala nos silêncios, nas esperanças, nos gestos que tu jamais notaste. Mas talvez, no fundo, tenha sido esse o erro: amar sem ser visto, sem ser entendido, sem ser correspondido. E o amor, querido, esse que é o mais belo e triste sentimento, que agora me flagela, sempre que mencionado proximo de mim, ao entrar em meus ouvidos ira gerar instantaneamente a imagem sua, independente da minha vontade. 

Sei que poderia seguir em busca do que ainda resta, do que poderia ser, mas a verdade é que já não há mais forças para isso. Eu te dou a liberdade que você sempre quis, mesmo sem saber como soltá-la. Eu te dou o que o destino, ou talvez o medo, não permitiu que fosse: um fim sem raiva, apenas a serenidade do que um dia eu insessantemente quis cultivar. 

Escrevo-te, não com a força da razão, mas com as contribuições das lágrimas que teimam em cair no meu rosto, mesmo quando já não há mais espaço para elas. Sei que palavras usar, mas uso apenas essas, como estas são as últimas que encontrareis de mim, e elas carregarão em si o peso de um inverno que não quero encontrar novamente em minha jornada. Minha alma, rasgada e desolada como a terra que espera a chuva que nunca chega, busca uma última forma de despedida. 

Fico a pensar, enquanto a brisa fria dessa noite me envolve, que por mais quente que teu corpo tenha sido em meus braços, não sou mais senão uma folha solitária a ser levada pelo vento, à mercê de um destino que se distancia de ti, e que por mais que não me ames, nem nunca tenha me amado, desde a primeira vez que te vi te amei profunda e intensamente. 

O amor que te ofereci era como um rio impetuoso, correndo sem freio, sem questionar o tempo, a idade ou a dor que me assolava naquele instante. A água que flui sempre encontra o mar, mas o meu coração se afoga em um oceano de silêncio, sem encontrar o espelho das tuas águas. Eu te amei com a fervorosa intensidade de uma estrela cadente, que arde e se despede em um breve instante ao olho nu, mas em um intenso, espetáculo de luz. 

No entanto, assim como a estrela que se apaga, meu amor se desvaneceu sem ser visto, sem ser sentido, como se fosse um reflexo perdido em um lago tranquilo, cuja superfície não se altera. Fui a chama de uma vela que se apaga sem jamais aquecer o ambiente ao redor. Você não quis sentir as aguas do oceano que te ofereci, e agora eu me afogo na tristeza de um abraço vazio. 

Escrevo-te enquanto minha alma ainda se despedaça, como uma flor ao vento, cujas petalas se soltam antes de atingir seu pleno desabrochar. É uma dor que se faz silêncio em cada canto da minha casa, e nas paredes, o eco da nossa história ainda ressoa, mas é uma melodia sem harmonia, uma sinfonia incompleta. Às vezes, minhas perguntas se foram como o mar que se atira contra as rochas, sem nunca ser correspondido, apenas se quebrando em mil pedaços que se perdem no tempo. Mas, o que fazer quando a maré de um amor não é recíproca? Como permanecer diante de um horizonte onde o sol se recusa a nascer, onde a lua se oculta, ainda que se sinta seu cintilar de possibilidades...

Sinto que te escrevo agora com o peso de uma montanha em meu peito, um peso que cresce, que se acumula, mas que, ao mesmo tempo, me obriga a seguir em frente, mesmo que a dor se arraste comigo, como a terra seca que pede a chuva. Eu te amei como a terra espera a primavera, com a fé de que a estação certa chegaria, e com o desejo de que a luz iluminasse os caminhos que percorressimos juntos. Mas tu não vieste, tu não quis, e eu me vi, por fim, uma árvore que se curva à tempestade, mas que não pode evitar a seca que se alastra em suas raízes. Tentei te dar o que meu coração, mas você só virou as costas ao meu tesouro.

O que restou de nós, amor? a flor que quis plantar contigo murchou sem que eu pudesse fazer nada... O que eu não vi em seus olhos, o que você não sentiu em meus gestos? Pergunto-me sobre todas as palavras não ditas, os silêncios que nos cercaram como uma neblina espessa, e que, aos poucos, nos guardamos, mesmo quando os dois ainda caminhávamos pela mesma estrada. O que foi o que se cortejou? Fui eu quem errei? Foi você quem não viu? Ou será que, apenas não fui suficiente aos seus olhos...

Agora, entenda que o amor, quando não é recíproco, é como um rio que tenta fluir, mas se perde em um deserto de expectativas não correspondidas. Não há mais o frescor das águas. Não há mais o murmúrio suave que embala a alma. E, assim, eu me vejo diante do fim, como um campo em que a seca tomou conta, onde as flores não nascem mais, onde a terra clama por vida, mas ela não chega. Já não posso mais me manter nesta espera infinita. O que ainda resta é um espelho quebrado, e não posso mais juntar os pedaços de mim, pois me perdi nas memorias de ti.

E assim, enquanto o vento balança as folhas que caem das árvores, eu te deixo ir, ainda que meu coração clame para que fique. Eu te dou a liberdade que tanto cativas. A liberdade que agora tento dar a mim mesma, mesmo que seja um ato de coragem e tristeza, de um amor que se liberta para que eu  possa finalmente seguir. Não te guardo mágoa, nem raiva, apenas o peso da saudade, como um rio que transborda e inunda a margem. Não tenho mais palavras de dor para te dizer, apenas o silêncio profundo da natureza que me cerca, por vezes, fala mais do que qualquer palavra.

É um adeus, não por não te amar mais, mas porque o amor, para ser real, precisa ser reciproco. E sei, agora, que você não poderia me amar como eu te amei, e isso é o que mais dói. Fui como um afluente que percorre sua jornada, sem nunca alcançar o oceano que esperava. Eu te amei como o sol ama a lua, mesmo que ela só brilhe nas noites mais escuras. Mas a lua, por mais bela que seja, não pode iluminar o sol, assim como eu não posso mais ser sua.

À medida que escrevo, percebo que este é o último gesto de um amor que se desfez como cruva no verão ao amanhecer. Você foi o meu amanhecer mias lindo, e meu entardecer mais perfeito, mas agora, apenas a sombra dos nossos momentos permanece. Cada passo que dei ao seu lado, cada sorriso que tentamos trocar, agora é uma lembrança que se esvai, como a areia que escorre entre os dedos. A saudade será o vento que me empurra para longe, e mesmo que eu tenha tentado te mostrar a vastidão do universo com um grão de areia, você jamais entenderia...

Eu me despeço, então, com a serenidade de uma árvore que vê suas folhas caírem, sabendo que é um ciclo necessário, que é preciso deixá-lo ir para que a terra possa se renovar. E, enquanto o inverno se faz presente em minha alma, sei que a primavera, com o tempo, surgirá. Não como uma promessa, mas como a certeza de que, assim como a natureza, eu também preciso passar por essa transição. O campo vazio que deixaremos será preenchido, mas agora é o momento de eu aprender com os passaros, de eu pedir ao joão-de-barro que me ensine como guardar o meu amor...

Adeus, querido amor. Eu te liberto do fardo dos meus sentimentos, ao me libertar, deixo que o vento me leve para onde eu possa florescer novamente. Mesmo com a dor que me acompanha, sei que o futuro não se construiu na saudade do que já se foi. Com a dor que me resta, adeus, amor.



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