Carrego no peito uma história que queima,
não está escrita em livros, mas em olhares
aqueles que me despem sem tocar,
que julgam se eu cruzo a rua à noite
ou se expresso um sorriso no mercado.
Sou mulher, disseram.
Mas disseram como sentença,
Como julgamento, como fardo,
não como celebração.
Todos os dias sou gentil com o medo,
ponho a chave entre os dedos como faca,
olho o reflexo no vidro do ônibus
quem está atrás de mim?
Me disseram que o amor me salvaria.
Mas nas mãos dele virei costela,
virei silêncio, virei espera, virei dor, virei objeto.
Ele dizia "te amo",
mas era só a senha para a minha prisão.
Ria das minhas conquistas,
porque uma mulher livre
é uma ameaça, não uma companhia.
Fui chamada de difícil
porque não aceitei migalhas,
De fácil
Porque eu quiz amar sem medo,
de louca
porque chorei de tanto me calar,
de ingrata
porque não me curvei.
Minhas amigas têm diplomas,
mas ainda pedem desculpas
por dizerem "não".
Sabem falar três línguas,
mas hesitam ao dizer "basta".
São fortes
e mesmo assim choram escondidas
quando o amor vira armadilha
e o companheiro, carcereiro
que sorri nas fotos.
A casa dela é seu reino, dizem.
Mas o trono é de espinhos,
e a cozinha, trincheira.
Lá ela engole seus gritos
enquanto serve o jantar.
No trabalho, sou “muito emocional”.
Na rua, “muito ousada”.
No lar, “muito fria”.
Em todo lugar, sou demais.
Mas nunca o bastante pra ser ouvida.
O patriarcado tem mil faces:
a piada no almoço em família,
a mão que pesa no volante,
o "você devia se cuidar mais",
quando o corpo é violado e a mente adoecida.
Eu só queria ser humana,
mas insistem em me ver
como papel dobrado,
uma dobra entre a santa e a vadia.
E o pior não é o machismo explícito.
É o amor que nos devora,
vestido de cuidado,
que diz "é por você",
mas quer nos apagar.
Cansada, mas de pé,
me recuso a pedir desculpas
por existir sem coleira.
Se amar for morrer aos poucos,
prefiro a solidão
que me deixa inteira.
Porque minha liberdade
Não cabe no afeto de quem aprendeu e quem insiste em tentar me calar.
Sim, estamos em guerra...