quarta-feira, 18 de junho de 2025

Meu Corpo é Campo de Guerra?

Carrego no peito uma história que queima,
não está escrita em livros, mas em olhares
aqueles que me despem sem tocar,
que julgam se eu cruzo a rua à noite
ou se expresso um sorriso no mercado.

Sou mulher, disseram.
Mas disseram como sentença,
Como julgamento, como fardo,
não como celebração.

Todos os dias sou gentil com o medo,
ponho a chave entre os dedos como faca,
olho o reflexo no vidro do ônibus
quem está atrás de mim?

Me disseram que o amor me salvaria.
Mas nas mãos dele virei costela,
virei silêncio, virei espera, virei dor, virei objeto.

Ele dizia "te amo",
mas era só a senha para a minha prisão.
Ria das minhas conquistas,
porque uma mulher livre
é uma ameaça, não uma companhia.

Fui chamada de difícil
porque não aceitei migalhas,
De fácil 
Porque eu quiz amar sem medo, 
de louca
porque chorei de tanto me calar,
de ingrata
porque não me curvei.

Minhas amigas têm diplomas,
mas ainda pedem desculpas
por dizerem "não".
Sabem falar três línguas,
mas hesitam ao dizer "basta".
São fortes 
e mesmo assim choram escondidas
quando o amor vira armadilha
e o companheiro, carcereiro
que sorri nas fotos.

A casa dela é seu reino, dizem.
Mas o trono é de espinhos,
e a cozinha, trincheira.
Lá ela engole seus gritos
enquanto serve o jantar.

No trabalho, sou “muito emocional”.
Na rua, “muito ousada”.
No lar, “muito fria”.
Em todo lugar, sou demais.
Mas nunca o bastante pra ser ouvida.

O patriarcado tem mil faces:
a piada no almoço em família,
a mão que pesa no volante,
o "você devia se cuidar mais",
quando o corpo é violado e a mente adoecida.

Eu só queria ser humana,
mas insistem em me ver
como papel dobrado,
uma dobra entre a santa e a vadia.

E o pior não é o machismo explícito.
É o amor que nos devora,
vestido de cuidado,
que diz "é por você",
mas quer nos apagar.

Cansada, mas de pé,
me recuso a pedir desculpas
por existir sem coleira.

Se amar for morrer aos poucos,
prefiro a solidão
que me deixa inteira.
Porque minha liberdade
Não cabe no afeto de quem aprendeu e quem insiste em tentar me calar.
Sim, estamos em guerra...

sábado, 14 de junho de 2025

Aurora de Babaçulândia

Nas margens do Tocantins sereno,
Babaçulândia floresce nas ondas do tempo,
Com suas matas, rios, serras e cachoeiras encantadas.
Aqui canta o vento em doce acalanto.

No verde abraço da natureza,
Brota os frutos da terra vermelha 
Com firmeza,
A agricultura, com mãos calejadas e sol nas costas, resiste,
No chão que insiste, de um povo persiste.

Antes mesmo do comércio erguido,
Antes do sonho de um povo unido,
Já vivia ali, de alma brilhante,
Dona Humbilina, mulher vibrante.

Negra matriarca, lavadeira forte,
Com o riso aberto e olhar de sorte,
Quebradeira de coco, de fala amiga,
Convidou Henrique mas sua memória foi esquecida.

Na terra chamada Aurora do Coco,
Ela foi farol, coragem, e foco.
Seu nome, apagado dos livros frios,
Vive nas memórias, como os rios.

E vieram outros, e o povo cresceu,
O templo se ergueu, o tempo correu,
Mas o nome dela, suave e firmeza 
Ecoa ainda nas matas, na natureza nas memórias de infantes do tempo passado.

As mulheres de Babaçulândia são chama,
Guardam de Humbilina a mesma flama,
Que nutre a terra, cria e semeia,
Com mãos calejadas e alma cheia.

Hoje, o sol brilha em campos floridos,
Nas feiras, os frutos são coloridos,
O cheiro do babaçu ainda embriaga,
E o passado pulsa em cada história e em cada saga.

Babaçulândia, terra de luz e memórias,
Guarda em si uma ancestral história,
De mulheres que, como raízes ao chão,
Sustentam o mundo com muita força no coração.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Mãe em Partes

Partiu-se em silêncio, a mãe,
no instante em que pariu o mundo 
seu mundo em forma de criança. 
Com os olhos ainda cheios de luz,
já via as sombras que viriam.

O leite secou no peito antes da fome
porque a panela exigia fogo,
e o fogo, lenha,
e a lenha, tempo 
tempo que ela deu da infância
dos próprios filhos.

Trocar o colo por chão de fábrica,
o ninar por buzinas e relógio,
a canção por cansaço,
foi ser mãe ao contrário:
estar ausente para que o pão estivesse presente.

E há mães que sangram mais que no parto,
quando a violência rasga o cotidiano:
filhos levados por guerras não ditas,
por balas que não têm nome,
por leis que não sabem amar.

Há mães que enterram o berço
para seguir vivas,
fingindo força na hora de cair,
beijando retratos,
recolhendo roupas que nunca mais terão dono.

E há aquelas que viram muralhas,
frente ao monstro que vem de dentro 
de casa, das ruas, do Estado 
lutando para que os filhos cresçam
mesmo quando elas não podem ficar.

A maternidade, às vezes, é ausência feita sacrifício,
dor com nome e sobrenome,
silêncio que grita em todos os cantos
do corpo e da história.

Mãe não some.
Ela se espalha.
Em pratos cheios, em camas quentes,
em lágrimas escondidas
e lutas não vistas.

Ela não abandona 
é arrancada.
E ainda assim, volta.
Sempre volta.
Mesmo que só em memória.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Último Verso

Meus olhos são poços sem fundo, sem luz,
O mundo, faz-se um teatro em que cedo me expus.
As máscaras caem, o riso é de dor,
A alma cansada já não quer falso amor.

A tinta que escorre da minha pena 🪶 agora é lamento, em tinta de sangue...
Cada sílaba escrita carrega tormentos...
Vivo por hábito, rascunho de gente,
Num corpo presente, mas sempre ausente.

Já cansei de implorar sentido ao vazio,
O afeto é um vulto que passa e faz frio.
E os dias se arrastam, iguais, sem razão,
Cada um uma pá de terra joga em meu caixão ⚰️.

Se este é o destino ser verbo calado,
Deixai que eu parta, num verso afogado.
Nem preces, nem flores, nem voz de ninguém,
Só o silêncio profundo que enfim me convém.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Na Cama de Procusto

À sombra fico amor calado ,
meu grito é nó, meu peito é fardo.
Pois teu querer, tão doce e inteiro,
se entrega aos lábios mais traiçoeiros.

Teu coração, flor de outonais,
se deita em leito de punhais,
num colo frio, sem alicerce,
que nunca amou, só se dispersa.

E eu, de longe, sou o lume
que aquece em vão teu breve costume
de crer que amor se faz medida
num molde cego, com muitas feridas.

Deitas-te, amor, sem perceber,
na cama de Procusto cruel,
que corta o que tens de mais belo
e estica a dor sob falso véu.

Ela que nunca soube amar 
te força a forma, sem pesar,
molda teus gestos à mentira
e ri enquanto tua alma tira.

Te vejo dar, com mãos sinceras,
a quem destrói, a quem não te espera.
Te entregas puro, leal e mudo,
ao vão abismo de um amor raso e imundo.

E eu, que guardo em mim teu nome,
me calo mais a cada fome.
Sou tua paz que não alcanças,
sou teu refúgio em esperanças.

Enquanto em mim teu céu respira,
tu vives sob o jugo e a ira
de quem te quer não por inteiro,
mas sim quebrado, do seu jeito.

E mesmo assim, não te condeno 
amar, às vezes, é pequeno,
quando se espera o justo fim
de quem se esquece de si em mim.

Mas sigo aqui ferida e firme ,
amando o que ninguém define.
Pois mesmo à margem do teu dia,
és meu lamento… e poesia.

terça-feira, 27 de maio de 2025

órfãos do Eden

Fomos dados ao paraíso
ventre verde e azul, céu sem grades,
o sopro divino, o fôlego do barro,
alma de luz entre árvores e folhas.
E, ainda assim, sangramos.

Sangra a alma que recorda
um abraço que nunca veio,
um olhar eterno que nos voltou as costas,
silêncio onde um nome ecoava e ainda ecoa.
Fomos moldados à imagem do eterno
e deixados à mercê do tempo.

Mesmo as forças divinas,
generosas e cruéis,
que nos deram o fôlego da vida
num gesto de amor e indiferença,
logo se afastaram 
retiraram-se para o invisível,
e nos deixaram aos cuidados
dos ventos e das raízes,
dos relâmpagos, das cavernas e do solo.

Como se o abandono pudesse ser explicado
pelo verde que cresce sem permissão,
pela água que insiste em correr,
pelo sol que nos aquece e consome.

A grande mãe natureza 
justificativa simbiótica,
herança sagrada e impiedosa 
nos acolhe sem afeto,
nos nutre sem consolo,
nos vê sem nos reconhecer.

E nós, humanos órfãos,
buscamos no divino um lar,
na terra uma mãe,
no amor um alívio
para o corte aberto da consciência.

Pois ser humano é carregar o céu dentro
e não poder habitá-lo.
É caminhar por entre jardins
com o coração exilado.

O Inferno nas Águas Doces

Num pedaço abençoado,

Cercado de mata e chão de areias,

Onde a água corre serena,

Feito bênção, feito oração,

Vive um povo de língua afiada,

Que só espalha maldição.

Terra bonita e florida,
Cenário de paz e amor,
Mas quem ali bota os pés
Percebe o amargo sabor.
O verde se veste de luto,
Quando se alastra o rancor.

Lá mora uma professora,
De alma limpa e valente.
Trabalha, rala, se doa,
Ensina com fé permanente.
Mas sofre por boca traiçoeira,
De um povo cruel e indecente.

Falam dela pelas esquinas,
Inventam, distorcem, machucam.
Mentiras nascem como praga,
E os falsos com risos se juntam.
Transformam pureza em pecado,
E os fracos com ódio se escutam.

Cidade de águas tão doces,
Mas de coração tão amargo.
O céu de beleza tão rara,
Se tinge de cinza e de embargo.
O inferno não vive nas brasas,
Se esconde no olhar mais vago.

Enquanto ela acorda bem cedo,
Com livros, com sonhos e cadernos,
O povo se junta na praça,
Pra tecer o discurso do inferno.
Mentem, ferem, destroem,
E fazem do belo... veneno e fel.

Mas Deus vê tudo lá do alto,
O que é mentira e o que é verdade.
Quem planta fofoca e maldade,
Colhe dor, solidão e falsidade.
E quem vive de honra e trabalho,
Recebe da vida dobrado em bondade.

Que saibam os falsos da vila:
A língua que fere se enrola.
O tempo derruba o soberbo,
E faz da verdade uma escola.
E a mestra, que hoje padece,
Amanhã seu valor se consola.

Portanto, escutem bem meu recado,
Povo amargo de língua felina:
Quem planta mentira e veneno,
Colhe dor, solidão e ruína.
E a mestra, vai continuar erguendo a cabeça,
Seguindo firme, com sua inspiração divina.

Meu Corpo é Campo de Guerra?

Carrego no peito uma história que queima, não está escrita em livros, mas em olhares aqueles que me despem sem tocar, que julgam se eu cruzo...