terça-feira, 29 de abril de 2025

Meu Corpo Não É Moeda



Meu corpo não é templo,

não é moeda,

não é campo de guerra nem de colheita.
É carne que arde
de tanto silêncio imposto.

Eles me querem mulher.
Mas não a mulher que sou:
Querem ventre, não verbo.
Boca fechada, pernas abertas.
Querem o “sim” antes da pergunta,
e o “obrigada” após a violência.

Choram quando sangro
não de dor,
mas de rejeição ao desejo bruto que lançam sobre mim
como se eu fosse coisa,
mobília,
suculenta mercadoria
no mercado da honra deles.

Eu grito,
mas o grito me sufoca no avesso da garganta.
Porque não é grito de dor
é de cansaço.
De pedir o mínimo:
respeito.
De não ser rasgada
pela ausência de afeto.

Fizeram de mim um espelho opaco
para refletirem apenas o que lhes convém.
Se penso, sou ameaça.
Se amo, sou tola.
Se gozo, sou puta.
E se não gozo, sou frígida.

Canso.
Mas sigo.
Com as entranhas expostas e a alma costurada
a cada “você provocou”,
a cada “isso não é pra mulher”,
a cada “você devia sorrir mais”.

A esperança?
Ela ainda lateja, frágil, quase surda 
na ponta do útero,
onde a vida se recusa a morrer.

E enquanto existir um pedaço de mim
não colonizado pela vergonha,
eu insisto:
não sou sua.
Não fui feita pra caber na palma do seu desejo.
Sou inteira.
Sou labirinto,
sou fúria mansa,
sou mulher
mesmo quando o mundo me nega esse nome.
Sou chama.
Não essa que incendeia por capricho,
mas a que resiste, pequena e pulsante,
na escuridão da caverna.
Chama que cozinha o alimento,
que aquece o berço,
que renasce da brasa,
mesmo quando cuspida pela chuva.

Sou mar.
De superfície calma,
mas de correntezas que puxam os alicerces do mundo.
Mar que não se aprisiona em garrafa,
não se dobra a mapas.
Sou maré que vem e se vai
sem pedir licença.
Afogo quem tenta me medir com réguas tortas.

Sou céu.
Imenso, inatingível,
às vezes cinza,
às vezes tempestade,
mas sempre casa de estrelas que ninguém sabe nomear.
Quando me olham, veem a beleza 
mas ignoram a vastidão.
Esquecem que trovejo.

Sou universo.
Não de planetas dóceis,
mas de explosões e silêncios eternos.
Constelação de dores milenares,
tecida por ancestrais que também foram chamadas de exageradas.
Em mim: o caos,
e dele, a criação.

Sou a própria vida.
Sangro e germino.
Caio e broto.
Me arrancam as pétalas,
e ainda assim, flor.
Querem que eu me cale,
mas meu silêncio grita poemas
que atravessam as gerações.

Sou as forças da natureza,
não domada,
não submissa.
Não sou pedra,
sou avalanche.
Não sou solo,
sou terremoto.
Não sou sombra,
sou eclipse.

E quem tenta me conter
em moldes estreitos
acaba por sentir
que mulher,
quando desperta,
não cabe em nenhum mundo que não seja reinventado.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Escrevo-te com o corpo todo


Escrevo-te com o corpo todo,

com os ossos gritando teus gestos,

com a boca seca de não-beijo,
com o ventre vazio de tua ausência.

Amo-te em silêncio —
mas é um silêncio que grita,
cortado em carne viva,
escorrido na dobra do tempo
onde não há mais nós.

Tu,
que me leste em entrelinhas desatentas,
que bebeste meus olhos e devolveste sede,
tu não me amas.
E isso é um espelho partido no chão da alma.

Eu —
que te amo na contramão do real,
que faço da tua sombra um altar,
me torno caverna escura e fria, vazia de vida
eco de um afeto que nunca ecoou de volta.

Meu amor,
esse não-teu-amor que em mim pulsa,
é uma febre que não cessa,

que queima e me faz perder pressão,
é fome sem nome,
é o gozo da dor de querer e não ter.

Não me olhas.
E mesmo assim, teus olhos me queimam.
Não me queres.
E mesmo assim, teu desamor me possui.

Ah, se soubesses o peso de um corpo
que espera em vão...
Clarice sussurraria:
“É mais que dor. É matéria viva.”
E Hilda diria:
“Escreva, mesmo com o coração apodrecido.”

Então escrevo,
com os dedos trêmulos de querer,
com os olhos embebidos de ausência,
com a alma esgarçada —
porque ainda te amo,
e isso me mata docemente, todos os dias.

Meu corpo absorve as lembranças de ti.
Minha alma murmura teu nome nas noites iluminadas pela lua.
Ao pisar nas areias da praia, percebo o quão efêmeros somos.
Ainda assim, em meu corpo, tu és tudo — e tudo em mim clama por ti.

Amar não é questão de merecimento;
até porque, talvez, não sejas digno de amor tão imenso.
Mas, mesmo assim, amo-te com a inteireza do meu ser.

Em minha pele, permanecem marcas tuas,

inscritas como se jamais pudessem ser apagadas. 

 —

Meu Corpo é Campo de Guerra?

Carrego no peito uma história que queima, não está escrita em livros, mas em olhares aqueles que me despem sem tocar, que julgam se eu cruzo...