Meu corpo não é templo,
não é moeda,
não é campo de guerra nem de colheita.
É carne que arde
de tanto silêncio imposto.
Eles me querem mulher.
Mas não a mulher que sou:
Querem ventre, não verbo.
Boca fechada, pernas abertas.
Querem o “sim” antes da pergunta,
e o “obrigada” após a violência.
Choram quando sangro
não de dor,
mas de rejeição ao desejo bruto que lançam sobre mim
como se eu fosse coisa,
mobília,
suculenta mercadoria
no mercado da honra deles.
Eu grito,
mas o grito me sufoca no avesso da garganta.
Porque não é grito de dor
é de cansaço.
De pedir o mínimo:
respeito.
De não ser rasgada
pela ausência de afeto.
Fizeram de mim um espelho opaco
para refletirem apenas o que lhes convém.
Se penso, sou ameaça.
Se amo, sou tola.
Se gozo, sou puta.
E se não gozo, sou frígida.
Canso.
Mas sigo.
Com as entranhas expostas e a alma costurada
a cada “você provocou”,
a cada “isso não é pra mulher”,
a cada “você devia sorrir mais”.
A esperança?
Ela ainda lateja, frágil, quase surda
na ponta do útero,
onde a vida se recusa a morrer.
E enquanto existir um pedaço de mim
não colonizado pela vergonha,
eu insisto:
não sou sua.
Não fui feita pra caber na palma do seu desejo.
Sou inteira.
Sou labirinto,
sou fúria mansa,
sou mulher
mesmo quando o mundo me nega esse nome.
Sou chama.
Não essa que incendeia por capricho,
mas a que resiste, pequena e pulsante,
na escuridão da caverna.
Chama que cozinha o alimento,
que aquece o berço,
que renasce da brasa,
mesmo quando cuspida pela chuva.
Sou mar.
De superfície calma,
mas de correntezas que puxam os alicerces do mundo.
Mar que não se aprisiona em garrafa,
não se dobra a mapas.
Sou maré que vem e se vai
sem pedir licença.
Afogo quem tenta me medir com réguas tortas.
Sou céu.
Imenso, inatingível,
às vezes cinza,
às vezes tempestade,
mas sempre casa de estrelas que ninguém sabe nomear.
Quando me olham, veem a beleza
mas ignoram a vastidão.
Esquecem que trovejo.
Sou universo.
Não de planetas dóceis,
mas de explosões e silêncios eternos.
Constelação de dores milenares,
tecida por ancestrais que também foram chamadas de exageradas.
Em mim: o caos,
e dele, a criação.
Sou a própria vida.
Sangro e germino.
Caio e broto.
Me arrancam as pétalas,
e ainda assim, flor.
Querem que eu me cale,
mas meu silêncio grita poemas
que atravessam as gerações.
Sou as forças da natureza,
não domada,
não submissa.
Não sou pedra,
sou avalanche.
Não sou solo,
sou terremoto.
Não sou sombra,
sou eclipse.
E quem tenta me conter
em moldes estreitos
acaba por sentir
que mulher,
quando desperta,
não cabe em nenhum mundo que não seja reinventado.
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