quinta-feira, 4 de abril de 2024

Plantas do quintal

quando eu era bem pequena, você me dava chá,

 fazia garrafadas e me mandava tomar

 fui criada com raízes, flores e  canções de ninar

tive muita anemia, mas você fez-me sarar. 


hoje, não sei os seus segredos

como fazia para identificar 

como cada planta do quintal 

tinha o poder de uma doença curar 


me recordo da sua beleza

da sabedoria com que ensinava 

sua saúde era de ferro 

doença nenhuma chegava


você faz muita falta, seu artifício medicinal 

dominava a natureza, com maestria sem igual 

respeitava a floresta, seu temor e seus deuses nela estava 

para cada flor que morria, muitas novas você plantava 


Barbatimão, jucá, hortelã

boldo, cuxá, chanana, romã

quebra pedra, vassourinha, laranja e limão

erva-cidreira, gengibre, manjericão 


todos tinham segredos guardados, 

mas no poder divino da criação, 

em suas mãos eram revelados 

doutorada em saúde natural 

até sua comida cheirava, 

mais que as roupas brancas no varal, 

toda essa memoria me veio agora, 

lembrando das flores do quintal lá fora. 


hoje, com saudades recordo sua astucia  

queria que sua medicina perdurasse mais nessa terra 

mas são segredos que passam oralmente com minúcia 

aos descendentes dos filhos da África com os filhos das américas 

somos rastros do que outrora éramos, 

eliminados a milênios pela ganancia dos homens de guerras. 


se eu pudesse, escreveria um livro sobre você

é uma fatalidade que não saiba ler ou escrever  

mesmo sem educação formal,

mais que os médicos do hospital, você sabia tratar. 

em uma farmácia jamais pusera os pés

não gastava o pouco que tinha 

mas aprendeu o que podia

com seu povo aimorés.


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