quando eu era bem pequena, você me dava chá,
fazia garrafadas e me mandava tomar
fui criada com raízes, flores e canções de ninar
tive muita anemia, mas você fez-me sarar.
hoje, não sei os seus segredos
como fazia para identificar
como cada planta do quintal
tinha o poder de uma doença curar
me recordo da sua beleza
da sabedoria com que ensinava
sua saúde era de ferro
doença nenhuma chegava
você faz muita falta, seu artifício medicinal
dominava a natureza, com maestria sem igual
respeitava a floresta, seu temor e seus deuses nela estava
para cada flor que morria, muitas novas você plantava
Barbatimão, jucá, hortelã
boldo, cuxá, chanana, romã
quebra pedra, vassourinha, laranja e limão
erva-cidreira, gengibre, manjericão
todos tinham segredos guardados,
mas no poder divino da criação,
em suas mãos eram revelados
doutorada em saúde natural
até sua comida cheirava,
mais que as roupas brancas no varal,
toda essa memoria me veio agora,
lembrando das flores do quintal lá fora.
hoje, com saudades recordo sua astucia
queria que sua medicina perdurasse mais nessa terra
mas são segredos que passam oralmente com minúcia
aos descendentes dos filhos da África com os filhos das américas
somos rastros do que outrora éramos,
eliminados a milênios pela ganancia dos homens de guerras.
se eu pudesse, escreveria um livro sobre você
é uma fatalidade que não saiba ler ou escrever
mesmo sem educação formal,
mais que os médicos do hospital, você sabia tratar.
em uma farmácia jamais pusera os pés
não gastava o pouco que tinha
mas aprendeu o que podia
com seu povo aimorés.
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